Por que jogos como Uncharted fazem falta?
- Gustavo Santos
- 4 semanas atrás
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Jogos como Uncharted são valorizados por sua narrativa estruturada e cinematográfica, que cria conexões emocionais profundas com os personagens e oferece uma experiência focada e recompensadora, contrastando com a predominância de jogos de mundo aberto e como serviço no mercado atual.
Jogos como Uncharted fazem falta em um mundo dominado por títulos de mundo aberto e experiências intermináveis.
Enquanto as novas tendências priorizam a liberdade, muitos jogadores sentem a ausência de narrativas lineares e emocionantes que tocam em necessidades humanas fundamentais.
O poder da narrativa estruturada
O poder da narrativa estruturada em jogos como Uncharted é um dos principais fatores que atraem jogadores e mantém seu interesse. Criado pela Naughty Dog, Uncharted é conhecido por sua abordagem cinematográfica, que oferece uma história coesa e personagens memoráveis como Nathan Drake.
Pesquisas em psicologia narrativa, como as de Keith Oatley, mostram que histórias lineares ativam o cérebro de maneiras únicas. Oatley, professor emérito da Universidade de Toronto, explica que narrativas estruturadas estimulam a teoria da mente, nossa capacidade de entender emoções e intenções dos outros, promovendo empatia e conexão emocional.
Quando jogamos Uncharted, não estamos apenas participando de uma aventura; estamos vivendo uma jornada emocional. Cada interação com personagens como Elena e Sully nos faz sentir parte de algo maior, algo que jogos de mundo aberto, com suas narrativas fragmentadas, raramente conseguem replicar.
Além disso, um estudo do Journal of Cognitive Psychology destaca que seguir uma narrativa linear aumenta a atividade no córtex pré-frontal medial, uma área do cérebro ligada à memória emocional e ao processamento de recompensas. Isso significa que, ao jogar Uncharted, o jogador não apenas se diverte, mas também experimenta um envolvimento emocional profundo.
Em contrapartida, jogos de mundo aberto como Elden Ring e GTA V podem ativar mais o hipocampo, que está associado à exploração espacial, mas frequentemente diluem o impacto emocional por falta de um arco narrativo focado. Uncharted oferece uma experiência de catarse — um começo, meio e fim — que satisfaz nosso cérebro de maneira semelhante a um bom livro ou filme.
A recompensa da simplicidade
A recompensa da simplicidade é um dos aspectos mais atraentes de jogos como Uncharted. Em um mundo onde a complexidade e a sobrecarga de informações são comuns, a clareza de propósito que esses jogos oferecem é um alívio. Em Uncharted, o jogador sempre sabe o que fazer: encontrar um tesouro, escapar de um templo em colapso ou enfrentar um vilão. Essa estrutura simples ajuda a aliviar o que os psicólogos chamam de fadiga de decisão.
Um estudo de 2010 publicado no Journal of Personality and Social Psychology por Roy Baumeister demonstrou que tomar muitas decisões pode esgotar a força de vontade, um fenômeno conhecido como ego depletion. Em ambientes de jogo onde as escolhas são constantes, como em títulos de mundo aberto, essa exaustão se torna um problema real.
Por outro lado, Uncharted proporciona uma experiência guiada, onde cada passo é uma recompensa imediata — seja um diálogo bem escrito ou uma sequência de ação visceral. Isso elimina a pressão de decidir o que fazer em seguida, permitindo que os jogadores se concentrem na experiência e na narrativa, em vez de se perderem em um mar de opções.
A neurociência confirma essa ideia. O sistema de dopamina, que regula prazer e motivação, responde fortemente a recompensas previsíveis e bem espaçadas, segundo um estudo de 2017 da Universidade de Stanford publicado na Nature. Em Uncharted, cada salto arriscado ou tiroteio é projetado para liberar dopamina em doses perfeitas, criando uma sensação de progresso constante que jogos mais caóticos e complexos nem sempre conseguem replicar.
A nostalgia e o instinto de aventura
A nostalgia e o instinto de aventura são elementos fundamentais que fazem de jogos como Uncharted experiências memoráveis. Esses jogos não apenas oferecem uma jogabilidade envolvente, mas também evocam sentimentos profundos relacionados à nossa história evolutiva e ao desejo humano de explorar e conquistar.
O antropólogo David Graeber, em seu livro O Despertar de Tudo: Uma Nova História da Humanidade (2021), argumenta que os humanos são naturalmente atraídos por narrativas de superação e descoberta, reflexos de nossa história como caçadores-coletores. Nathan Drake, com sua busca por relíquias em ruínas exóticas, representa o arquétipo do aventureiro — um Indiana Jones interativo que nos conecta com esse instinto primitivo.
Jogos como Uncharted satisfazem um desejo inconsciente de viver uma jornada heroica, permitindo que os jogadores experimentem a emoção da exploração sem as distrações de um mapa infinito ou atividades repetitivas. Cada nova aventura com Drake é uma oportunidade de reviver a emoção da descoberta e da conquista.
Um estudo de 2020 da Universidade de Oxford, publicado no Games and Culture, explorou como jogos narrativos lineares geram maior flow — o estado de imersão total descrito por Mihaly Csikszentmihalyi. Os pesquisadores descobriram que títulos como Uncharted mantêm os jogadores nesse estado por mais tempo, pois eliminam interrupções e mantêm o foco em objetivos claros.
Essa combinação de nostalgia e aventura é o que torna Uncharted tão especial. Em um mercado saturado de jogos de mundo aberto e experiências fragmentadas, a intensidade focada de uma aventura linear é um lembrete poderoso de como histórias bem contadas podem nos conectar com nossas emoções mais profundas.
O vazio no mercado atual
O vazio no mercado atual de videogames é um reflexo de uma mudança significativa nas prioridades da indústria. Hoje, a ênfase parece estar em jogos que oferecem longevidade e monetização contínua, em detrimento de experiências single-player robustas e narrativas envolventes. Títulos como Fortnite e Genshin Impact dominam o cenário com atualizações constantes e microtransações, enquanto jogos como Uncharted se tornam cada vez mais raros.
Um relatório da Entertainment Software Association (ESA) de 2023 revelou que apenas 18% dos lançamentos AAA foram jogos narrativos de campanha solo, em comparação com 45% em 2010. Essa mudança reflete uma demanda crescente por lucro contínuo, mas deixa de lado um público que busca experiências finitas e memoráveis.
Além disso, a ciência comportamental sugere que essa tendência tem um custo. Um estudo de 2019 da Universidade de Montreal, publicado no Journal of Behavioral Addictions, indicou que jogos como serviço podem aumentar o estresse e a sensação de obrigação, enquanto títulos lineares promovem relaxamento e satisfação. Uncharted era um escape, não uma rotina — e esse equilíbrio é algo que muitos jogadores sentem falta em um cenário saturado de grind e competição.
As experiências de jogo que eram uma vez comuns, onde a narrativa e a imersão eram prioridade, agora estão se tornando relíquias. O vazio deixado por jogos como Uncharted é um lembrete de que, embora a inovação e a evolução sejam importantes, a essência de contar uma boa história e oferecer uma jornada emocional ainda ressoa profundamente com os jogadores.